"If I ever allow genuine compassion to be overtaken by personal ambition, I will have sold my soul" - James Nachtwey

28 janeiro 2006

O Jornal dos Pobres

Não resisto a colocar aqui este artigo, que vem na última edição do Courrier Internacional:

"O quadro preto é o jornal dos pobres
À priori, o giz é uma substância inofensiva. Porém, nas mãos de Alfred Sirleaf, as autoridades liberianas viram nele uma arma mortal. O suficiente para o espancar, exibir nu pelas ruas e finalmente obrigá-lo ao exílio durante a guerra civil da Libéria.
Num país onde os jornais são um luxo para a minoria dos que sabem ler e onde os outros não têm evidentemente acesso a eles Sirleaf tentava colocar a informação ao alcance do maior número de pessoas com desenhos humorísticos e parangonas. Foi esse o seu crime. Todas as manhãs, abria a porta da casa de madeira a que chamava redacção e começava a escrever as notícias do dia num quadro preto giratório. Verificando a ortografia das palavras num dicionário dos anos 70, que um diplomata lhe oferecera, compunha cuidadosamente a primeira página do «Daily Talk», e rodava o quadro negro na direcção dos peões e dos condutores, nesta rua intrasitável de Monróvia.
O poder instituído não apreciou o seu sucesso popular e obrigou-o a fechar as portas. Mas, após dois anos de paz, Sirleaf decidiu que podia regressar ao seu país e assistir às primeiras eleições do pós-guerra na Libéria.
Assim, no momento em que uma antiga estrela de futebol e uma economista disputavam a presidência, Sirleaf encadeava as edições para informar os habitantes do seu bairro, demasiado pobres para comprarem um diário, ou mesmo para possuir um rádio. «A pobreza é um flagelo neste país, mas mesmo assim as pessoas têm o direito de saber o que se passa», explica este homem de trinta anos que não frequentou nenhuma escola de jornalismo e conta com a boa vontade dos vizinhos para dar vida à sua «redacção».
«Quero educar os liberianos», explica. «O mais importante é mantermo-nos neutros, embora haja sempre pessoas que nos acusam de sermos parciais. Assim, durante estas eleições, o facto de ter o mesmo nome qie uma das candidatas, prejudicou-me». A sua homónima, Ellen Johnson-Sirleaf, estudou em Harvard. Foi ela que ganhou as presidenciais, tornando-se a primeira mulher Chefe de Estado em África.
Num país ainda marcado pela guerra - as paredes de Monróvia estão crivadas de balas- sem água canalizada nem electricidade, mesmo na capital, onde a taxa de desemprego atinge os 80 por cento, a Presidente não tem tarefa fácil. Para Sirleaf, a corrupção está no centro do problema: vai manter debaixo de olho a nova equipa governamental para se assegurar de que esta não deita mãos aos recursos da Libéria (borracha ou diamantes), como fizeram as anteriores.
Sirleaf teve aborrecimentos no passado, quando criticou as despesas exorbitantes do Governo. Em 2000, fez um desenho de Charles Taylor, o senhor da guerra que nessa altura era Presidente, onde este era visto a distribuir dinheiro a torto e a direito numa discoteca nocturna, enquanto lá fora as pessoas morriam. Pouco depois, viu chegarem a sua casa, de jipe, alguns soldados que lhe rasgaram as roupas e o obrigaram a caminhar até ao palácio presidencial cobreto com uma simples ardósia. Os esbirros de Taylor destruíram-lhe a casa e ele teve de fugir para o Gana. Agora, está de novo em casa, cheio de esperança no futuro. «Há mais pessoas honestas do que canalhas na Libéria», assegura. «Chegou o momento de os honestos levarem a melhor».
Claire Soares, The Guardian, Londres"

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