"If I ever allow genuine compassion to be overtaken by personal ambition, I will have sold my soul" - James Nachtwey

21 julho 2005

Jornalismo narrativo

Mark Kramer, professor na Universidade de Harvard, deu recentemente em Lisboa, na Escola Superior de Comunicação Social, uma conferência na qual defendeu uma nova corrente de jornalismo, que apelida de "jornalismo narrativo".
Este assunto foi abordado em alguns jornais e em alguns blogs sobre jornalismo, e parece-me uma questão interessante para reflectir.
O que Mark Kramer defende é que há uma crise no jornalismo, e que as pessoas passam cada vez menos tempo a ler jornais. Sendo assim, considera que é necessário que as histórias sejam mais interessantes, de modo a criar uma maior empatia entre jornais e leitores. O que não quer dizer no entanto que defenda que as notícias deixem de se basear em factos.
Ora bem, na minha opinião, pode haver um "jornalismo narrativo" ou "jornalismo literário" em algumas ocasiões, mas é preciso cuidado para não confundir duas áreas que, embora semelhantes em algumas coisas, também têm diferenças fundamentais, que são a literatura e o jornalismo. Depois, também é preciso ver de que tipo de peças jornalísticas estamos a falar. Se for por exemplo uma "Grande Reportagem", penso que se admitem, e até é difícil que não hajam, algumas características literárias. No entanto, como em tudo, é preciso que sejam com conta, peso, e medida, pois uma linguagem demasiado literária, pode, entre outras coisas, tornar a reportagem incompreensível.
A ideia de um "jornalismo narrativo" parece-me portanto à primeira vista algo perigosa... Pois se é inegável que o jornalismo tem sempre alguma componente narrativa, propôr à partida fazer um "jornalismo narrativo", parece tornar o jornalista num "criador de estórias" quando na verdade deve ser um "contador de estórias". Pelo menos é a ideia que o termo "narrativo" parece transmitir... Mas confesso que ainda não tenho ideias bem definidas sobre esta nova corrente, até porque ainda não conheço a fundo os pormenores. Por isso mesmo, por ser uma questão ainda em aberto, parece-me interessante reflectir sobre ela.

17 julho 2005

Diferentes Culturas Noticiosas

Ao observar a cobertura noticiosa dos recentes atentados terroristas em Londres, não pude deixar de reparar como a forma portuguesa de fazer jornalismo difere tanto da britânica.
E difere, em primeiro lugar, no respeito pelo público. Repararam que poucas imagens chocantes foram difundidas? É certo que a polícia também contribuiu para isso, minimizando ao máximo essas imagens, mas mesmo assim... O que se verificou foi um cuidado extremo, um respeito pelo telespectador e pelos públicos mais sensíveis. Aliás, em Inglaterra é frequente o público manifestar o seu desagrado sobre a emissão de imagens mais chocantes, enviando cartas para as televisões. Ao mesmo tempo, houve cuidado também na divulgação das informações, e nomeadamente do número de vítimas. Nada era avançado sem a devida confirmação.
E em Portugal?... Os jornalistas parecem ter ficado obviamente frustrados pela falta de imagens dramáticas, facto que aliás referiam amiúde nas reportagens feitas no local. É claro que não o diziam directamente, mas lia-se nas entrelinhas. Tudo o que podiam era filmar o local onde estava coberto por um plástico azul o autocarro, e as entradas das estações, também elas cobertas. Não lhes era permitido ver mais, e portanto desatavam a fazer conjecturas, e a descrever, de forma adjectivada e dramática, o estado dos corpos dentro do metro, criado uma imagem de horror, à falta de uma verdadeira imagem. Sim, porque imagens de drama e horror, poucas houveram, ao contrário dos atentados em Nova Iorque e em Madrid. E, por muito que os jornalistas tentassem transmitir que estava a ser difícil o regresso à normalidade, o que as imagens mostravam (outras vez essas traiçoeiras imagens!) era precisamente o contrário: as pessoas seguiam com a sua vida.
Concluindo: este foi apenas um exemplo de como há várias formas de fazer jornalismo, e ao mesmo tempo serviu para provar como o jornalismo televisivo ainda está tão dependente das imagens, e como tem dificuldade em abordar uma tragédia sem imagens e depoimentos dramáticos. A meu ver, essa ausência de imagens poderia até ser um desafio ao jornalista para fazer outras abordagens ao tema. Mas, como se verificou, o jornalismo televisivo português, ainda sobrevive muito do drama. E é pena...